Joy Division | A divertida versão dos fatos de Peter Hook

Sob ótica do baixista Peter Hook, somos presenteados com uma leitura leve e bem-humorada  de uma história conhecida como trágica


O dia 18 de Maio de 1980 foi triste para o mundo da música. Ian Curtis foi à Macclesfield despedir-se de sua filha Natalie, pois participaria de uma excursão pela banda. Naquele dia, após ingerir altas doses de cafeína e álcool, contra a sua condição de epilético, assistiu ao filme Stroszek, de Werner Herzog. Discutiu sua relação com Debbie e tentou mudar sua opinião quanto a um divórcio. A discussão fugiu ao controle e Ian pediu para que Debbie fosse embora. Alcoolizado, ouviu o disco The Idiot, do ídolo Iggy Pop no repeat, enquanto escrevia uma carta à esposa deixando clara sua vontade de se matar, ainda que não fizesse menção a cometer o ato. Cerca de onze e meia da manhã seguinte, Deborah Curtis retornou à residência em Macclesfield e encontrou seu marido ajoelhado no chão da cozinha, com uma corda em torno do pescoço. Ian Curtis tirou sua vida aos 23 anos, às vésperas da turnê pelos Estados Unidos da Joy Division. Peter Hook almoçava em um restaurante com a então namorada Íris quando soube da notícia. I: Quem era ao telefone?” “P: Ah, aquilo? Era a polícia para contar sobre Ian.” “I: O que sobre Ian?” “P: Ele se matou.”

“Se o tonto não tivesse se matado, estaríamos em um avião para os Estados Unidos na segunda-feira.”

A trágica história da Joy Division e de seu emblemático líder e vocalista Ian Curtis já é de conhecimento geral, tendo gerado inúmeros documentários, filmes e biografias. E o que difere, por exemplo, esta biografia do baixista Peter Hook da que fez a viúva Deborah Curtis, que serviu de inspiração ao filme Control?

Esqueça toda essa baboseira de tristeza (que se foda ela, em vocabulário inspirado por Hooky). Ou deixe pro final do livro, em que, inevitavelmente, Hook trata do assunto. Na biografia “Joy Division: Unknown Pleasures”, o músico deixa claro que por trás de toda a melancolia e sofrimento de Ian, antes de mais nada, ele e os garotos da classe operária de Manchester eram rockstars que só queriam dar uns amassos nas garotas e se divertir. E são essas diversões dos rockstars em ascensão que geram divertidíssimas histórias que, pra nossa sorte, Peter Hook decidiu compartilhá-las nesta biografia da banda.

Pois é, engana-se quem pensa que o jovem Ian andava cabisbaixo, comunicava-se em murmúrios, sempre encostado num canto, lamentando-se. O grupo se divertia fazendo o que mais amava: música. Ian era o vocalista e líder de uma banda. Ele não só fazia parte do grupo, mas era quem mais chamava a atenção nas apresentações, por estar à frente no palco em performances memoráveis.

Hook conta a vez em que o Joy Division fez um show para apenas UMA pessoa num clube em Londres, e a plateia-de-um-homem-só o cumprimentou anos depois, em uma dessas peculiaridade que a vida nos traz. Já com o New Order, o baixista participou de um show como DJ, onde somente 8 pessoas deram as caras. Os organizadores ficaram envergonhados e disseram ao músico que não precisava apresentar-se, e que receberia pelo show mesmo assim. “Ora! Se já fiz show para UM único bastardo, por que não faria para 8?” foi sua reação, proporcionando uma excelente lembrança para os 8 odiados e invejados por mim, todos fãs do New Order.

A possível ligação da banda com o movimento nazista é contado em tom de deboche por Hook, que alega que a fama acabou trazendo certa popularidade e mais mistério ao redor da banda. Já dizia O Lobo De Wall Street, não existe má publicidade. Ou, se preferir, “fale bem ou fale mal, mas fale de mim”, como diria a filósofa Mc Melody. Encerrando o assunto, após o desfecho do Joy, os membros prometeram que seguiriam em frente com um nome que não os ligasse de maneira alguma ao movimento. Nova Ordem não é nem um pouco nazista, não é mesmo?

Ian mijando em um isqueiro de hotel, foto dos integrantes mostrando suas respectivas bundas, o perrengue enfrentado na gravação do primeiro EP, o An Ideal For Living – cujo som ficou “uma merda!” – além de como Hook aderiu ao peculiar modo de tocar baixo com apenas três dedos  estão entre as histórias narradas.

O livro ainda apresenta dois capítulos inteiros dedicados à comentários de cada faixa dos dois álbuns gravados. Recomenda-se ouvir os discos enquanto lê, pois ali estão processos de gravação, bastidores e curiosidades para se jogar em uma mesa cheia de fãs do rock como um todo.

Por mais que hoje os fãs olhem para traz e vejam a forte melancolia ali presente, os membros da banda não reparavam nisso na época. Se preocupavam muito com a sonoridade e só depois perceberam o grito de socorro de Ian através das letras, e o que de fato elas significavam. Hooky, como era carinhosamente chamado por Bernard, deixa claro seu pesar sobre o assunto, ao mesmo tempo em que se demonstra rancoroso com os membros restantes. Vale ressaltar que no espaço In Memoriam do livro, o autor inclui o New Order na lista, uma vez que a banda que ainda está em atividade, tendo lançado o álbum de inéditas Music Complete no ano passado, enquanto o baixista excursiona ao redor do mundo tocando a discografia inteira da Joy Division.

Ao longo da leitura, Peter Hook demonstra-se saudosista, apegado ao sujo, ao barato, ao divertido, ao estrago e ao pouco burocrático. Um punk em sua essência. Um cuzão que o mundo da música precisa. Trata-se de um livro de memórias, da verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade… do modo que Hook se lembra!

Nota: fucking 10/10, fuckers!

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